O Meu Bebé Tem Pé Boto

15:48


Bem, este é um tema super sensível para mim. Mas preciso contar um pouco a história do meu bebé que nasceu com o pé boto, conhecido também com pé torto congénito.

O meu bebé nasceu de madrugada, e depois de nascer o meu noivo acompanhou-o com as enfermeiras e a pediatra para verem se estava tudo bem, vestir e afins. Quando voltou à sala de partos disse que o bebé estava bem só tinha o pé torto. Pensei que tivesse sido um "mau jeito" ao nascer, porque a enfermeira disse que ele nasceu com a mão encostada à cabeça.

Depois quando trouxeram o bebé para ao pé de mim eram 2 da manhã e então foi amamentá-lo e adormece-lo, e ficar babada a olhar para o meu pequeno príncipe. Às 7 da manhã quando ele acordou e fui mudar a primeira fralda ao meu príncipe, é que vi realmente o pé torto, e as lágrimas não pararam e o desespero abateu-se em mim. Falei com uma enfermeira e ela chamou o pediatra que me explicou que ele teria de fazer uns gessos e que depois ficava tudo bem. Mas não era bem assim.

O que é o Pé Boto?

O pé boto é uma má formação congénita que por norma é detectada na ecografia (no caso do meu filho não) e que ocorre em média a 1 criança caucasiana a cada 1000 nascimentos e é duas vezes mais comum no sexo masculino. O diagnóstico do pé torto congénito idiopático é feito ao nascimento, a partir da observação clínica da deformidade. O pé nasce torto "virado para dentro" e pode ser unilateral (só um pé) ou bilateral (os dois pés), no nosso caso foi unilateral esquerdo. Os médicos ainda não conseguiram descobrir a causa da doença.

O Tratamento

Actualmente moro em Constância (Santarém) e o tratamento tem de ser feito no Hospital Dona Estefânia em Lisboa (cerca de 150km). Com cerca de 15 dias de vida do meu bebé, fomos à primeira consulta onde o médico nos explicou o que era o pé boto e como iria ser o tratamento.

O meu bebé nasceu com o pé esquerdo torto, e teve de fazer cerca de 6 gessos no pé esquerdo e 3 no pé direito. Este tratamento é baseado no método de Ponseti, onde é aplicado gesso desde o pé até mais ao menos à zona da virilha, e onde todas as semanas o médico vai  manipulando as articulações, "mexendo" o pé para ele ficar na posição certa e depois passa a usar umas botas ortopédicas até aos 4 -5 anos de vida.

Durante um mês e meio fomos a Lisboa todas as semanas colocar e tirar gesso. Nenhuma dessas consultas foi fácil, mas a primeira vez que tiraram o gesso, e cortaram o gesso com a serra, as lágrimas caíram-me espontâneamente. Ele era tão pequenino, foi avassalador.

Tivemos problemas porque o gesso não era bom, e apesar dos médicos e enfermeiras fazerem requerimentos ao ministério da saúde, essa situação não foi corrigida. Isto torna o corte do gesso mais perigoso e demorado, e faz com que o gesso "rache".

A 8 de Março de 2016 chegou a hora de fazer a Tenotomia, ou seja, um pequeno golpe que é dado acima do calcanhar para fazer o alongamento do tendão de Aquiles. O bebé é anestesiado (o meu bebé tinha apenas 2 meses) e depois fica com gesso durante 3 semanas seguidas. A operação demorou cerca de 2 horas e no mesmo dia viemos todos para casa. Foi um dia difícil.

Depois do tratamento com gesso e da tenotomia, os bebés tem de usar umas botas ortopédicas (órtese externa) todos os dias até terem 4-5 anos. As botas têm uma barra a meio que prende as duas botas e por isso quando eles começam andar é mais complicado pois não conseguem caminhar com as botas.

Inicialmente ele ficou com as botas 24h por dia, só tirava as botas para tomar banho e mais nada. No fim de Junho de 2016 passou a usá-las durante 16 horas por dia e assim continuará até acabar o tratamento.

O período mínimo que eles tem de ter as botas é 12 horas por dia, mas isso é algo que o ortopedista pediátrico decide conforme a evolução do pé. Quanto mais horas os bebés usarem as botas, menor a probabilidade de um dia o pé voltar a ficar torto.

A duração do tratamento varia de bebé para bebé. Em alguns casos consegue-se a correcção total quando o bebé tem 3 anos e outros bebés só deixam de usar as botas aos 5 anos de idade. O mais importante é os pais colocarem as botas correctamente e durante no mínimo 12 horas por dia.

Quando há um atraso no início do tratamento, nas formas mais graves, ou quando a malformação não pode ser corrigida apenas através do tratamento ortopédico, a única solução é o recurso à cirurgia. Depois, o pé é imobilizado com gesso durante alguns meses, e depois é necessário efectuar um tratamento de reabilitação que permita que o pé adquira a sua normal funcionalidade.

Estudos recentes provam que o método de Ponseti, que é o tratamento feito actualmente ao pé boto em Portugal tem uma taxa de sucesso de 97,5%. Esta é uma doença de deformidade com memória e por isso, o tratamento tem de ser escrupulosamente seguido, porque o pé terá tendência a regressar à posição na qual nasceu.


A Carta da S.S

Em Junho de 2016 soube que existe uma bonificação por deficiência (60€ por mês) que dão a crianças que têm algum tipo de deficiência que é o caso do meu bebé.
(Caso tenham dúvidas sobre como pedir a bonificação para os vossos bebés deixem comentário ou enviem email ou mensagem nas redes sociais e ajudo no que puder.)
Na primeira semana de Julho de 2016 entreguei o requerimento juntamente com o relatório do ortopedista pediátrico onde explica muito claramente que o bebé nasceu com o pé boto unilateral, que foi submetido ao tratamento de gessos, onde fez tenotomia e onde terá de usar uma órtese externa para corrigir o posicionamento dos pés até aos 4-5 anos de idade.

No dia 2 de Setembro de 2016 recebi a carta mais revoltante da minha vida, vinda da Segurança Social Portuguesa. Dizia a carta:
Solicita-se que V.exa envie no prazo de 10 dias:
Informação médica detalhada onde conste a doença do descendente, assim como as terapias e medicação associada.
Comprovativos que justifiquem o acréscimo de encargos decorrentes da situação de deficiência resultantes do apoio pedagógico ou terapêutico (...)
Eu sei que há algumas burlas à Segurança Social e por isso é preciso averiguar a verdade das coisas. No entanto, para quem recebe a carta é um bocado revoltante e triste. Bastava melhorarem o serviço para conseguirem cruzarem os dados dos Hospitais onde o bebé nasceu, onde o bebé é tratado para verificarem se realmente o bebé nasceu com a deficiência.

Quanto às questões financeiras, onde nos questionam se temos encargos com a deficiência do bebé, essa é fácil de resolver. Basta reunir o Ministro da Saúde e o Responsável da Segurança Social, levarem-nos ao Hospital Dona Estefânia. Lá, falam com os fantásticos ortopedistas que cuidam dos nossos botinhos.

É certo, que os ortopedistas expliquem ao Ministro da Saúde e ao Responsável da Segurança Social, que há pais e bebés que vem do Algarve para Lisboa para fazerem o tratamento. Essas viagens tem custos de combustível e de portagens. As botas têm um custo mínimo de 250€, e tal como acontece com o calçado comum, conforme o pé cresce, é preciso comprar umas botas novas.

Depois desta visita é só fazerem uma ficha técnica com a média de despesas que os pais de botinhos tem, juntar-lhe a informação para cruzarem dados com hospitais para confirmar as deficiências, distribuir por todos os funcionários da Segurança Social et voilá! Evitam gastos de papel, selos, impressora e tintas, evitam constrangimentos ao pais e stress desnecessário a quem tem preocupações que cheguem e sobrem.

Depois desta carta, entregamos a receita médica das botas e a factura das botas; passado 7 meses chegou a bonificação.

No período de 1 ano e meio já compramos 3 pares de botas, já fizemos inúmeras viagens a Lisboa, por isso, a bonificação faz falta e é um direito que assiste a todos os bebés com pé boto.

Pais de Botinhos

Se vão ser pais pela primeira vez de um bebé com pé boto, no inicio vai ser avassalador. Eu fiquei com raiva, chorava muito e perguntava porque é que o meu  bebé tão pequenino tinha que passar por tudo isto. Estava super revolta, com raiva do mundo.

Tinha medo de tudo o que o meu pequeno príncipe ia passar. Tinha medo que ele não andasse. 

Estavam sempre a dizer-me que havia bebés com doenças piores. Mas isso serve de consolo? É claro que desejava que todos os bebés nascessem saudáveis, mas o que me doí é o meu bebé. É o meu filho.

Com o tempo, a revolta foi acalmando e "aceitando". Com 11 meses, o Mateus começou a dar os primeiros passos, e hoje com 1 ano e meio já corre a casa toda. Quem não o conhece, e o vê a andar e a correr não imagina que ele tem pé boto. O pé dele é tão normal quanto o meu.

 A dor acalmou. A esperança voltou e a sensação que vai ficar tudo bem permanece.

Papá, Mamã, vai ser um caminho longo, mas vai correr tudo bem. Como eu costumo dizer: "Mateus vamos calçar as botas mágicas para ficares com o pé bom!". E as botas são mágicas, e os pés ficam bons e os nossos bebés serão felizes para sempre.

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